Bom dia, boa tarde, boa noite, por enquanto.
Enquanto mais um dígito se prepara para ser alterado na contagem ocidental da falência do planeta, lembrem-se de ajudar a preparar a ceia, se tiver ceia, e não esqueçam de sonhar um bocadinho.
Beijos e bons anos.
Trilha Sonora
Para ser lido ao som de A Cor do Som.
Texto da semana
Qual a cor da roupa íntima no réveillon?
― Se arruma, esconde isso que o chefe tá chegando!
― Cadê o boy que ainda não chegou com o café?
― Ele tá entrando, ele tá entrando! Vai pra tua cadeira, João!
― Bom dia, senhores! Senhora também, bom dia. Hoje vamos discutir o que colocar na programação de fim de ano. Precisamos de algo novo, revolucionário, que cative o público, e ao mesmo tempo seja inédito, nunca visto nas telinhas. Sugestões?
Alguns segundos de silêncio na pequena sala, onde, na sua maioria homens brancos, decidiam a programação a ser exibida em rede nacional.
― Que tal um programa com os acontecimentos do ano? ― manifestou um dos âncoras.
― Podemos chamar de… retrospectiva!?
― E as simpatias para a virada? Minha vó só fala disso agora ― sugeriu um repórter.
― Quantas uvas a gente tem que comer mesmo?
― Acho que são 12, quando der meia noite.
― Mentira! Minha família chupa 9 bagos.
― Ahhh, chupador!
― Na verdade, ouvi dizer que eram 7, igual ao número de ondas que devemos pular.
― E se não tiver mar, como que faz?
― Tem que guardar caroços de romã na carteira.
― Não dá pra esquecer da lentilha, hein?
― Inventaram esse costume só para poder vender lentilha. Ninguém gosta dessa merda.
― Silêncio! Ordem aqui! – tentou botar ordem o editor-chefe ― Foco! Um por vez. Está tomando notas, Bento?
― Sim, chefe!
― Então vamos continuar. O que mais não pode faltar?
― A mega da virada. Dá para entrevistar algumas pessoas fazendo a fézinha ― indicou a única mulher da equipe ― que anunciava a previsão do tempo.
― E a movimentação nas estradas? O povo fica vidrado em engarrafamentos. Acidentes, então? Nem se fala. Falando nisso, vai chover hoje, Patrícia? O pessoal tá querendo jogar uma bolinha à tarde ― insinuou o cinegrafista.
― Que tal: 12 técnicas para desinchar e curar a ressaca depois da ceia?
― Ou então: técnicas para tirar a gordura da louça e da toalha.
― As patroas vão adorar.
― Não esqueçam das previsões astrológicas para o ano que vem. Talvez alguma catástrofe anunciada, o time que vai vencer o campeonato.
― Como que é o nome daquele cara que escrevia o horóscopo? Dá para chamar ele!
― Signos! O povo quer signos.
― Esse ano vou usar vermelho na virada. Eu quero muito amor.
― Eu preciso de dinheiro e sucesso, a cueca tem que ser amarela ou verde?
― E se eu usar um arco-íris, atraio tudo de uma vez?
― Sei lá, cara, tenta aí. Quem vai ficar de prontidão nas maternidades, para anunciar o primeiro bebê do ano?
― O Jurandir levantou a mão aqui.
― Cala a boca, André – xingou Jurandir.
― Excelente, pessoal. Excelente! Acho que temos uma programação para o fim de ano. Pegou tudo, Bento?
― Sim, chefe. E acho que a cueca tem que ser amarela.
Livro
Pedaço de Pano para secar Enxurrada é o primeiro livro que publiquei.
São 12 contos, com personagens reais, mas ficcionalizadas, em ambientes áridos, inóspitos, acolhedores e cheios de contradições.



