36| Você poderia ter fingido que gostou
Coisas que se escrevem quando não se é mais lido
Bom dia, boa tarde, boa noite, por enquanto.
Caro leitor. Cara leitora.
Desejo a você, que toda semana recebe um e-mail indesejado e não tem coragem de clicar no botão para cancelar a assinatura, o melhor dos dias, meses e anos, em infame eufemismo de fazer até Machado se revirar.
Aos que chegarem ao fim do texto as batatas.
Boas leituras.
Trilha Sonora
Para ser lido ao som de Los Sebosos Postizos.
Você poderia ter fingido que gostou
Comprei num sebo do centro aquele volume do Rubem Braga, 200 crônicas escolhidas. Na folha de rosto, a seguinte dedicatória:
Pai amado! O pouco que sei e tudo que sou devo a você! Tenho em minhas lembranças conselhos valiosos dados durante minha vida inteira. Você é uma pessoa que admiro muito, muito mesmo. Te amo, te respeito, te admiro como homem e pai maravilhoso. Beijos. 10/08/09
Em outro, As Cem Melhores Crônicas Brasileiras, repare no trema:
Ao pingüim mais intelectual de Curitiba, espero que a leitura dessas crônicas seja bastante agradável e produtiva. Foi a intenção. Com carinho, Camila. 03/07/08
Mas o achado mesmo foi outro: capa dura, 50 poemas escolhidos pelo autor, do Manuel Bandeira, edição da Cosac, vinte reais. Com CD.
Sim, um CD. Vinte e nove poemas na voz do autor.
Como eu vou tocar isso ainda não sei, mas se você tenha um discman que funcione ― dos que não pulavam ― por favor, entre em contato.
Dentro, outra dedicatória:
Dudu, Não queremos falar de conquistas, novos desafios e coisas assim. Queremos falar de compartilhar, sonhar, crescer, enfim falar de VIDA! A nossa alegria de ver você buscando as coisas que são SUAS só não é maior que a alegria de termos você como amigo. Vamos sentir saudades, porém ficamos alegres em saber que você está fazendo o que teu coração manda e indo aonde tua coragem te levar. É isso aí Dudu, viva de forma intensa e seja feliz! Boa viagem e Feliz Natal! Já estamos com saudades. Beijos. Angela e Gustavo. Dez/2007
Agora pense comigo.
Você escolhe presentear alguém com um livro. Não é para qualquer pessoa que você entrega um livro. Se fosse por obrigação, dava um vale-presente, um chocolate de franquia, um perfume do Boticário. A relação é intensa. Talvez seja a pessoa que chora contigo no intervalo do show da Bethânia e do Caetano. A que te coloca como contato de emergência na cirurgia de hemorroida. Pode ser a mãe da sua afilhada, o amigo de infância, o professor de oficina literária que virou amigo.
Você escreve uma dedicatória sincera, com a elasticidade que o momento permitir. Fala de saudade, deseja boa viagem, um feliz natal. Assina com um beijo, abraço, cafuné.
Agora inverta os papeis.
Você é quem recebe o livro com a dedicatória. E aí? Lê em voz alta, na frente da pessoa? Agradece e lê depois? Finge que nem viu?
Na verdade, pouco me importa.
O que eu queria mesmo era ter uma conversa séria sobre por que você passou aquele livro adiante.
Se você morreu, tudo bem. Mas acho que eu saberia.
Então me diz: o que foi que eu te fiz?
Encontrei, ainda por cima, esse exemplar do meu livro na Estante Virtual. Três reais mais caro do que eu mesmo vendo.
No anúncio:
Em excelente estado. Dedicatória na folha de rosto.
Fiquei tentado a comprar só para descobrir quem é você.
Pelo menos, parte do lucro vai para quem recolhe animais abandonados e dá alguma dignidade a eles.
Acho que vou entrar em contato. Vai que me acolhem também.
Vale a pena ler de novo
Mencionei Rubem Braga, Manuel Bandeira, uma coletânea com as cem melhores crônicas (nunca confie em listas), mas a recomendação de hoje vai em outra linha.
Um livro que me chamou a atenção durante um garimpo no sebo e me envolveu pelas florestas angolanas, no movimento de libertação do país contra as tropas portuguesas.
Humano, diverso na multiculturalidade angolana, para conhecermos mais de outros lugares que também falam o mesmo idioma colonizador.
A escrita de Pepetela, neste livro chamado Mayombe, vale a sua atenção.
Por hoje é isso.
Agradeço quem dedicou seu tempo e chegou até aqui.
Fiquem bem e até a próxima.
Quando vejo na Estante Virtual um dos meus livros "com dedicatória", coço pra comprar de volta.
Curti... (Como eu já disse antes, faço questão do trema) Minha casa tinha estantes forradas de livros, muito deles comprados em sebos. Muitas vezes, depois de devolver um livro à biblioteca, fui ao sebo tentar encontrar um exemplar e, eventualmente fui feliz. Sempre me perguntei sobre o porque de alguém se desfazer de um livro como aquele, mas nunca me respondi. Escrevi um único livro e já o encontrei em um sebo mas eu não pensei em comprá-lo. Eu nunca iria saber quem vendeu, já que eu não identificava as dedicatórias... Prefiro ficar na dúvida.